Número de recursos contra infrações cai em Minas, mas criatividade para tentar escapar de punição segue em alta. Vale até "matar" parentes.
A variedade de justificativas usadas por motoristas é grande, mas há casos em que assessores das juntas descobrem um padrão. Uma dessas situações ocorreu este ano. Para tentar anular uma multa, um condutor alegou que se tratava de uma “extrema necessidade”: o irmão tinha morrido e ele socorria a cunhada em trabalho de parto. Depois deste caso, mais de 50 outros semelhantes foram identificados. Mudavam os infratores e o tipo de penalidade, ou às vezes nem isso, mas a história da cunhada grávida e do irmão morto estava sempre lá.
“O tipo de vocabulário e a defesa eram as mesmas. Começamos a perceber que alguém orientava o condutor no recurso ou preenchia a documentação, sem sequer se preocupar em alterar a tipificação da infração”, diz a delegada Inês Borges Junqueira, coordenadora de Infração e Controle do Condutor Detran de Minas Gerais. “Eram multas por excesso de velocidade ou por não usar o cinto, e eles apresentavam a defesa por falta de habilitação. Não tinham nem o cuidado de argumentar corretamente”, completa. “Com isso, o caso da grávida virou piada e passei a exigir a certidão de nascimento da criança e o atestado de óbito do irmão como comprovantes. Claro que nenhum documento apareceu”, lembra a delegada.
Celular Outro caso que chamou a atenção nas juntas foi o de um motorista de Belo Horizonte que parou em local destinado a carga e descarga, argumentando que esperava a mulher sacoleira. Descobriu-se depois, porém, que o condutor não era casado. O uso do celular na direção, mesmo no viva voz, ganhou uma justificativa inusitada para outro flagrante feito por um agente de trânsito. O motorista alegou que o agente confundiu um fio de escuta do telefone com uma cordinha que segurava os óculos. Em outro caso, um condutor da Grande BH pediu a suspensão da multa e o cancelamento dos pontos na carteira sustentando que o guarda se equivocou e não reparou o cinto de segurança porque ele, o motorista, vestia a camisa do Vasco, que também tem uma faixa preta diagonal. O detalhe é que o torcedor foi flagrado pelo radar de um sinal de trânsito.
“Já vi relatos de quem foi parado na Lei Seca e não fez o teste do bafômetro porque usava enxaguante bucal ou tinha comido bombons de licor num casamento. Eles são muito criativos”, diz Inês Junqueira, que considera o caso de um motorista permissionário um dos mais emblemáticos. “O condutor, com habilitação de um ano e que corria o risco de ter a carteira cassada por excesso de velocidade, anexou eletrocardiograma da avó, pedidos médicos, receitas e documentos de consulta no SUS tentando nos convencer de que a senhora ficaria muito triste e poderia ter um infarto se ele perdesse a carteira”, conta. “Ele desrespeita a lei e transfere para nós a responsabilidade pela saúde da avó?”, pergunta a delegada.
Contra punição, provas
De cada 10 processos analisados pelas Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jaris) entre 2008 e 2011, dois resultaram em anulação das infrações. No período, quase 57 mil pedidos de revisão foram feitos às juntas em todo o estado. Os números indicam que parte das multas foi aplicada equivocadamente e que houve casos nos quais os motoristas apresentaram justificativas. Mas para evitar punição, o motorista deve preparar corretamente o recurso.
“O caminho é questionar a multa, identificando o real condutor, apresentando documentação que comprove a possível irregularidade. Quem recebe indeferimento neste primeiro momento pode recorrer às Jaris”, explica a delegada Inês Borges Junqueira, coordenadora de Infração e Controle do Condutor do Detran-MG. Ela lembra que ninguém precisa de advogado para redigir os recursos, que podem ser feitos de próprio punho pelo motorista. “Quem está certo apresenta tudo direitinho e não fica se explicando muito”, avalia.
Exemplo disso foi o recurso apresentado por um condutor sem carteira do interior de Minas. Ele admitiu que dirigia sem habilitação, mas argumentou que precisou socorrer um vizinho da sua propriedade rural, que sofria um ataque do coração e era justamente a pessoa que costumava dirigir o carro dele. No documento, o senhor não contestava a multa e só pedia que o valor da infração fosse parcelado em 10 vezes porque ele era aposentado.
“Nós investigamos todas as informações. Se o motorista diz que não havia placa de sinalização na rua, vamos até o lugar e fotografamos. Quando é no interior, pedimos ajuda à delegacia local. No caso desse senhor, comprovamos que ele chegou com a vítima no hospital, mais ou menos no horário em que ele tinha descrito e que de fato o vizinho sofreu um infarto”, diz uma assessora da Jari. “A legislação prevê os casos de emergência, para salvar uma vida, por exemplo. Por isso cancelamos a multa dele”, acrescenta.
Quando recebe a autuação, o motorista tem 15 dias para apresentar recurso e, se perder o prazo ou o pedido for negado, tem mais 30 dias para recorrer à Jari. Ao fim de todas as instâncias, o processo para suspensão ou cassação da carteira é iniciado e o condutor tem a chance de apresentar nova defesa. No caso de um noivo irritado do interior, o recurso chegou como congratulações à equipe do Detran. O rapaz dizia que a noiva “desobediente” pegou o carro dele sem seu consentimento e que, por isso, merecia a multa. No fim da carta, o dono do veículo ainda levantava a dúvida de que se deveria mesmo se casar com a moça.
EM NÚMEROS
(Recursos entre 2008 e 2011)
56.988 - pedidos recebidos
56.216 - julgados
43.428 - indeferidos
12.784 - recursos deferidos
(Até dezembro de 2011)
13.354 - recursos recebidos
13.273 - julgados
10.197 - indeferidos
3.076 - deferidos
Por: Paula Sarapu
Fonte: em.com.br
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